quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

O CANGALHEIRO?

Alguns políticos garantem a tomada de medidas ditas eficazes contra a crise e fingem-se convencidos da chegada próxima de melhores dias. Mas não conseguem afastar um pressentimento de iminência de bancarrota geral e cessação de pagamentos nos seus países, nem a perspectiva de aumento violentíssimo da carga fiscal e de redução de salários na casa dos 20% ou 30% ou, em alternativa, de saída do euro e subida vertiginosa das taxas de juro e do custo de vida, o que viria mais ou menos a dar ao mesmo.

Mas apesar desses tratamentos de choque e de muitos apelos à solidariedade de permeio, nenhum político poderá garantir que as coisas vão melhorar nos próximos anos. Pelo contrário. O catálogo de situações e de países em estado crítico não cessa de engrossar, com a Islândia, a Irlanda, a Letónia e a Grécia à cabeça para já. Chegará a vez da Espanha e só por milagre é que, um dia destes, Portugal não entrará na lista.

Ninguém sabe onde é que tudo isto vai parar. Só pode prever-se que as falências, a degradação do tecido produtivo, o desemprego, a pobreza, a conflitualidade social, o crime, a impotência das autoridades, a insegurança de pessoas e bens, não pararão de crescer e também que, entretanto, se acentuarão fenómenos inquietantes como o proteccionismo e a xenofobia, ao arrepio das declarações políticas. Nestas bolandas em que ninguém confia em ninguém e só a Alemanha parece confiar em si mesma, a União Europeia pode esboroar-se enquanto o diabo esfrega um olho.

Em Portugal, o estado patológico é muito anterior ao eclodir da crise. Silva Peneda acaba de demonstrar, em artigo publicado no JN, que 14 dos 15 principais indicadores económicos e financeiros regrediram entre 2004 e 2009, sendo que a evolução positiva do défice público foi conseguida por aumento da carga fiscal e não por redução da despesa do Estado. E agora vai ser grande a cambalhota quanto ao défice.

Esse tem sido o desvelado contributo do Governo socialista para o progresso e o de-senvolvimento nacionais. Isto é, também não andaremos muito longe da bancarrota, de que talvez nos livre a pertença ao Eurogrupo, embora nada nos livre de um prolongado período das mais negras privações.

É neste quadro negativo de um país que vai a pique, completamente desarmado para fazer face à crise por obra e graça das sucessivas batotas do seu Governo, que o ministro da Cultura vem falar na aplicação efectiva do Acordo Ortográfico, o mais tardar em 1 de Janeiro de 2010, ou mesmo antes.

Não nos detenhamos hoje nas enormidades e aberrações intrínsecas da peça. Em Março de 2008, o Governo previa um prazo de seis anos para tal aplicação (art.º 2.º da Proposta de Resolução 71/X/3) após o depósito do instrumento de ratificação do segundo protocolo modificativo!... Passemos. Não curemos sequer da inexistência do vocabulário ortográfico comum, prevista desde a primeira versão do Acordo como devendo anteceder a sua entrada em vigor.

No tsunami mundial, uma das principais, se não a principal, janelas de oportunidade que restam a um país falido em todos os azimutes como o nosso é a intensificação das relações de cooperação, de investimento, de negócios e de parcerias empresariais com as Repúblicas Populares de Angola e de Moçambique, muito em especial com a primeira.

Nem Angola nem Moçambique ratificaram o Acordo Ortográfico. Ele não se aplica nesses países. Mas é este o momento que o ministro da Cultura escolhe para promover uma aplicação que só vai acarretar as maiores confusões e dificuldades de entendimento e comunicação aos empresários portugueses, aos seus congéneres africanos (note-se: a todos, e não apenas aos editores), bem como às autoridades políticas e administrativas, às escolas e aos cidadãos em geral dos países em questão!

Já era um puro dislate falar-se, como o ministro faz, em evitar a "fragmentação" da língua. Mas ao impor-se essa fragmentação, ao querer-se oficializar a toda a pressa o fosso entre as grafias de Portugal, de Angola e de Moçambique, o dislate transforma-se em perversão e a perversão em encravamento deliberado de um futuro possível.

Porque há-de o ministro da Cultura candidatar-se a gato-pingado do nosso lindo enterro e a cangalheiro oficial da língua portuguesa?


Vasco Graça Moura | Escritor | in Diário de Notícias | 11/02/2009


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A Petição Contra o Acordo Ortográfico continua aberta e disponível para assinatura.

Assine-a em www.ipetitions.com/petition/manifestolinguaportuguesa.
Enquanto há Língua, há esperança.

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