sexta-feira, 20 de junho de 2008

Acordo Ortográfico: o Tratado de Tordesilhas revisitado

Reúno aqui alguns dos pontos que, a meu ver, sumariam as gravíssimas condições, substanciais e processuais, que configuraram o presente Acordo Ortográfico (AO), remetendo para os inúmeros pareceres mais técnicos e aprofundados a análise pormenorizada das discrepâncias e erros que manifesta, e com os quais não devemos contemporizar.

A minha posição quer ser a de um cidadão informado e com vontade de reflectir criticamente sobre as informações de que (já) dispõe.

Eis o que me ocorre dizer, neste momento:

1. Reforçar a gravidade da falência da discussão do AO, bem como da sua consubstanciação, em sede própria: a sede científica. Os autores do AO escusaram-se, ao longo dos anos, a uma discussão científica séria, através de uma não-audição sistemática dos parceiros que, em Portugal, têm opinião cientificamente validada sobre a matéria. Tal autismo é contrário a qualquer processo de validação científica, independentemente da área em que ele ocorra.

2. Sublinhar a institucionalização, que este AO realiza, da dupla ou mesmo múltipla grafia (são inúmeros os exemplos, e caricatos os resultados), quer entre as normas de diferentes países, quer dentro da norma de um mesmo país. Este Acordo pode ser um Acordo (e já falarei dos seus equívocos a este respeito), mas não o é certamente pela razão politicamente aduzida, e que seria a de uma necessária (?) unificação ortográfica – mito derrubado pelas múltiplas grafias que oficializa.

3. Recordar algumas consequências: por exemplo a destruição de certas famílias etimológicas (facção/faccioso), com perturbação da inteligibilidade da língua como construção semântica e histórica.

4. Apontar a confusão inaceitável entre língua e ortografia, não se reconhecendo o carácter desnecessário de um acordo que, mesmo que seja apenas ortográfico (e já vimos que não produz a apregoada unificação), não contempla (como não poderia contemplar) nenhum outro plano da língua (morfo-sintáctico e lexemático). Mesmo a feitura de um vocabulário comum, ainda se apenas técnico, nunca poderá vir a sobrepor-se a usos já sistematizados nas diversas variantes. E, a ser implementada tal unificação, ela deixaria de ser “apenas” ortográfica, para começar a ser… linguística. O AO é pois um logro: para existir, precisa de que a ortografia seja APENAS UM dos aspectos abordados. Mais uma vez, a sede para esta discussão é a comunidade científica, que não foi consultada como devia ter sido.

5. Lembrar o profundo desequilíbrio entre custos e benefícios. Aquilo que o AO vai custar, em termos económicos e humanos (sim, também estes), é incalculavelmente mais do que as algumas (e não todas as!) coincidências ortográficas que passará a permitir.

6. A arrogância, roçando o neo-colonialismo, por parte tanto de Portugal como do Brasil, imaginando que um Acordo negociado APENAS entre estes dois países poderia ser conduzido da mesma forma, em 1990 ou 2008, pela qual tinha sido conduzido em 1945 (data do anterior Acordo, firmado por ambos os países mas nunca aplicado no Brasil). Em 1945 havia, para o bem como para o mal, apenas dois poderes soberanos que entre si diziam repartir a língua, qual Tratado de Tordesilhas. Não é esse o caso em 2008. E Portugal já devia ter aprendido alguma coisa com o Tratado de Tordesilhas…

Helena Carvalhão Buescu | Professora Universitária | Universidade de Lisboa

1 comentário:

Daniel disse...

Sou contra este acordo. No Brasil a mudança ocorreu como em um passe de mágica.

Péssima idéia (com acento), mudar a escrita de palavra só vai dificultar o aprendizado. Acredito que isto só vá contribuir para uma alterção do Idioma falado e não sua uniformização.