quarta-feira, 11 de março de 2009

Vasco Graça Moura - 100 201 ASSINATURAS

Pelas 11 horas de Domingo, 1 de Março, era de 100 201 (cem mil duzentas e uma) o número de assinaturas recolhidas pela petição contra o Acordo Ortográfico (http/www.ipetitions.com/petition/manifestolinguaportuguesa/). Nos últimos dias, o ritmo de subscrição desse documento tem vindo a aumentar, fazendo supor que a sociedade civil continua bem sensível ao risco alarmante que a aplicação daquela enormidade envolve para o nosso País e para os que escrevem a língua portuguesa segundo as mesmas normas ortográficas (afinal, todos, salvo o Brasil).

Na verdade, são raríssimos os casos em que um documento posto à subscrição pública recolhe tantas assinaturas. Serão ainda mais raros os casos em que, a despeito desse número tão expressivo, os governantes e demais responsáveis optarão por quedar-se numa indiferença obtusa ante o facto, remetendo-se a um silêncio que tem tanto de comprometedor como chocante. Só é de lamentar que a comunidade académica, salvo honrosíssimas excepções, continue a passar ao lado, como se não fosse nada com ela e não tivesse nada a dizer ou a repetir, quando estão em causa, quer a língua e a maneira correcta de a escrever (ortografia), quer as responsabilidades especiais dos respectivos membros.

O que é mais extraordinário ainda é que a trapalhice oficial continua a imperar nestas matérias, apesar de não se poder ignorar que a Assembleia da República, nos termos legais, terá ainda de tomar posição sobre a petição contra o Acordo Ortográfico. E na área escolar, não foi só o conjunto de piruetas caricatas que rodearam a questão do computador Magalhães, do seu desajustamento pedagógico e da sua promoção demagógica e cheia de falhas; não foi só a série de falsidades escritas e encenadas, com a plena cumplicidade do Governo, com que se tentou fazer passar um relatório sobre a educação em Portugal como sendo da OCDE; não foi só a súbita tentativa de aceleração do prazo de aplicação do Acordo, de seis anos para seis meses, sem que nada o justificasse e sem que vários países o tenham ratificado; não foi só a intempestiva iluminação que parece ter atingido os ministros da Cultura e da Educação apenas porque uma empresa privada engendrou um conversor ortográfico e, pelos vistos, este está a ser utilizado pelo Estado sem abertura de concurso para fornecimento das ferramentas informáticas adequadas; não foi só a inexistência do vocabulário ortográfico imprescindível e exigido pelo próprio texto do Acordo como condição prévia de aplicação; não foi só a ausência total, tanto de estudos como de posições e decisões, da parte do Ministério da Educação e da sua responsável. Há agora uma série de questões práticas.

Com efeito, os editores de livros escolares continuam aflitos e perplexos, à espera de instruções do ministério que não chegam apesar das suas solicitações e insistências, na perspectiva de consideráveis aumentos dos custos de reconversão e de produção de livros e manuais escolares. Em correspondência, o País em geral integra essa outra perspectiva, ainda mais gravosa, de a curto prazo tudo isso se repercutir em considerável acréscimo de despesas para as famílias nestes tempos de crise negra que ainda virá a agravar-se durante longos meses. Assim serão deitados ao lixo muitos milhões de euros, entre os preços pagos pelos novos livros e os valores perdidos pelos que ficam inutilizados. Admira até que certos partidos políticos, tão azedamente susceptíveis em matéria de despesas injustificadas, não tenham começado já a protestar.

E que dizer quanto aos professores? Em que programas e em que calendários vão enquadrar este aspecto da sua acção? Por que livros e manuais vão ter de esperar? De que tempo de preparação vão dispor? Como vão eles haver-se com as inconsistências e erros do normativo de um Acordo que só poderão aplicar dizendo aos seus alunos que, numa série de casos, escrevam como muito bem lhes apetecer porque não há regras, isto é, não há "orto"grafia?!

Tudo isto é uma chuchadeira. Um país que preza verdadeiramente a sua cultura língua e a sua cultura devia sentir e exprimir a mais profunda das vergonhas pelo que está a acontecer. E devia exigir que não seja assim. Mais de cem mil pessoas já o fizeram.

Vasco Graça Moura | Escritor | in Diário de Notícias | 04/03/2009

Crónica de Ricardo Freire no jornal Estadão de S. Paulo

"(...)um idioma que divirja justamente na frase “Eu te amo” não pode ter nenhuma esperança de unificação, falada, escrita ou o que seja.(...)"



Crónica de Ricardo Freire no jornal Estado de S. Paulo
(ligação não disponível, texto em linha no blogue do autor)


Acabo de devorar um livro que é a melhor e mais embasada crítica já escrita ao acordo ortográfico do português. Trata-se de “The Mother Tongue: English and how it got that way” (algo como “A Língua Materna: como o inglês ficou desse jeito), de Bill Bryson, o mesmo do genial “Uma breve história de quase tudo”.

Está bem, está bem: o livro não é exatamente sobre o acordo ortográfico do português. Não foi publicado agora, mas em 1990. E Bill Bryson não deve saber xongas sobre as diferenças entre as variantes do português dos dois lados do Atlântico – nem ao menos que o nosso “Eu te amo”, em solo luso, se diz “Amo-te”.

(Parênteses: na minha modesta opinião, um idioma que divirja justamente na frase “Eu te amo” não pode ter nenhuma esperança de unificação, falada, escrita ou o que seja.)

O que “The Mother Tongue” traz é uma fórmula vencedora de auto-ajuda para toda língua que queira conquistar amigos e influenciar pessoas. E a fórmula que fez do inglês o idioma mais influente do planeta, afirma Bryson, é justamente a sua falta de regulamentação.

Olhe que interessante: o período em que o inglês mais evoluiu foi durante os 300 anos – entre 1066 e 1399 – em que reis normandos mandaram na Inglaterra. Enquanto o francês era a língua oficial da Corte, a patuléia pôde fazer da língua inglesa o que bem lhe aprouvesse. Foi quando os gêneros acabaram abolidos, as conjugações verbais foram simplificadas, e os plurais saxões terminados em “n” e “r” foram naturalmente uniformizados em “s”.

Ao retomar o status de idioma oficial, o inglês moderno estava mais enxuto, mas continuava suficientemente vira-lata para incorporar tudo o que viria a passar pelo seu caminho: o vocabulário deixado pela corte francofônica, os neologismos fabricados pelos elizabetanos e vitorianos, os termos importados das colônias, as estruturas inventadas pelos americanos.

Até hoje ingleses e americanos não têm uma ortografia comum – nem querem ter. Os ingleses seguem o dicionário Oxford, os americanos seguem o Webster – e os dicionários seguem os britânicos e os americanos, registrando as grafias que ocorrem e vingam na vida real.

A ortografia inglesa não faz sentido? À primeira vista, não. Mas se a escrita fosse fonética, como diferenciar “eight” de “ate”, “see” de “sea”?

Eu não perdi as esperanças. Se até o confisco do Plano Bresser está reaparecendo, eu tenho certeza de que ainda vou ter os meus tremas e acentos de volta.

Ricardo Freire, Fevereiro 2009