quarta-feira, 30 de julho de 2008

António Emiliano - AS CONTAS E OS NÚMEROS DO ACORDO ORTOGRÁFICO

O único documento oficial favorável ao Acordo Ortográfico de 1990 (AO) que se conhece é a "Nota Explicativa do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990)" (anexo II do AO). Essa Nota contém, para além de múltiplas deficiências técnicas, lacunas graves: menciona estudos preliminares que ninguém viu e que não estão disponíveis, e refere dados quantitativos que ninguém pode verificar.

A Nota Explicativa defende, nomeadamente, o baixo impacto das mudanças ortográficas através de percentagens (menos de 2% de palavras afectadas pelo AO) calculadas a partir de uma lista de 110 mil palavras (de estrutura e composição desconhecidas) pertencentes ao "vocabulário geral da língua", ignorando a) as frequências das palavras, b) as formas flexionadas das mesmas e c) a possibilidade de todas as palavras afectadas formarem combinatórias com outras, i.e., termos complexos, designações complexas, etc. É uma avaliação desprovida de método rigoroso e de base científica séria: a consideração eventual das frequências, das flexões (cada verbo tem mais de cinquenta formas distintas), das prefixações (atestadas e virtuais) e das combinatórias alterará radicalmente os números do impacto ortográfico do AO.

O Governo fez discretamente consultas em 2005, solicitando através do Instituto Camões pareceres a várias instituições: dois pareceres, o do Instituto de Linguística Teórica e Computacional e o da Associação Portuguesa de Linguística (APL), foram tornados públicos aquando da audição parlamentar de 7/4/2008. São pareceres negativos que apontam deficiências graves ao AO. A APL recomenda a suspensão do processo em curso e a não aprovação do 2.º Protocolo Modificativo. Estes pareceres foram tornados públicos, note-se, pelos autores, não pelo Instituto Camões ou pelo Governo. Um requerimento da deputada Zita Seabra permitiu recentemente o conhecimento de todas as entidades contactadas em 2005 e dos pareceres obtidos: há um parecer do Departamento de Linguística da Faculdade de Letras de Lisboa muito negativo, com as mesmas recomendações do parecer da APL, e outro da Academia da Ciências de Lisboa, defendendo a aplicação do AO, redigido por Malaca Casteleiro (MC), autor do AO (!).

No parecer de 2005, MC afirma que "a Academia das Ciências de Lisboa, através do seu Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Língua Portuguesa, está preparado e disponível para efectuar, num prazo de seis meses, uma primeira versão do referido Vocabulário [Ortográfico], com cerca de quatrocentas mil entradas lexicais".

É informação inédita que não se conjuga facilmente com factos públicos:

1) os argumentos quantitativos de 1990 a favor do AO basearam-se numa lista de 110 mil palavras da Academia das Ciências;

2) o Dicionário da Academia de 2001, coordenado por MC, tem ca. 70 000 entradas;

3) MC foi substituído em 2006 na presidência do Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Academia na sequência da elaboração de dicionários "conformes ao AO" publicados (em 2008) pela Texto Editores, Novo Grande Dicionário da Língua Portuguesa com ca. 250 000 entradas e Novo Dicionário da Língua Portuguesa com ca. 125 000;

4) MC é responsável por um projecto aprovado em 2006 pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia - Dicionário ortográfico e de pronúncias do português europeu (PTDC/LIN/ /72833/2006) - financiado com 70 000€€, com o qual se "pretende o desenvolvimento do primeiro dicionário ortográfico e de pronúncias para cerca de 150 mil lemas do português de norma europeia, que deverá constituir uma ferramenta linguística de referência a nível ortográfico, morfológico e fonético" (informação do sítio web da FCT).

Havendo informação objectiva que associa um dos principais autores do AO a listas de palavras de dimensões e composição distintas - - 110 mil palavras em 1990, 125 mil em 2008, 150 mil em 2006, 250 mil em 2008 e 400 mil em 2005 - pergunta-se:

a) qual das listas é a mais fiável?

b) qual a credibilidade dos argumentos de 1990 baseados numa lista de 110 mil palavras?

c) como é possível o autor do AO apresentar no espaço de três anos vocabulários tão díspares?

d) por que razão, em resposta a consulta do Governo, MC declarou em 2005 poder apresentar em seis meses um vocabulário de 400 mil entradas mas em 2006 recebeu da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (ou seja, do Estado) financiamento de 70 000€€ para realizar em três anos um vocabulário com 250 mil palavras?

Algo não bate certo nestes números, que requerem, naturalmente, explicações.

António Emiliano | Linguista e filólogo | Universidade Nova de Lisboa
publicado in Diário de Notícias | 25/7/2008

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sábado, 26 de julho de 2008

João Roque Dias - Que as comam eles!

Numa terra cujo nome não vem agora ao caso, havia – sempre houve – uma mercearia. O proprietário do estabelecimento, o Sr. António, sempre danado para o negócio, oferecia aos seus clientes de tudo e do melhor que podia encontrar. E se havia algo que levava os fregueses a fazerem bicha à sua porta, era o chouriço. Aquele chouriço que vinha direitinho das matanças de outras terras, todas vizinhas da sua mercearia. Era chegar e andar, que os fregueses não o deixavam ficar nas prateleiras por muito tempo. Depois, acho que por causa de um "brasileiro" que por lá viveu, o Sr. António começou também a vender "linguiça brasileira". Coisa fina. Diferente, mas também muito apreciada. Afinal, o pessoal do outro lado do mundo aprendeu a fazê-la com as receitas antigas de gentes das terras do lado de cá, a que foram acrescentando os seus gostos. Diferente, sim, mas com bom tempero. O Sr. António dizia até que só não vendia petróleo de Angola em garrafas, porque não o deixavam...

Com o negócio a medrar, o nosso merceeiro resolveu diversificar a oferta e, em espaço bem arranjado, abriu um restaurante. A Florência, cabo-verdiana de nascimento, mas portuguesa no coração e nos papéis, tomou conta da cozinha. Foi mais uma roda-viva lá na terra. Nas mesas sempre cheias comia-se, lado a lado, bacalhau com todos a preceito, cachupa de chorar por mais, moamba de lamber os dedos, picanha assada no melhor ponto e, para as sobremesas, a genial cozinheira preparava um leite-creme de fazer corar os anjos, mas também coisas que desencantava noutras paragens, como as cocadas do Brasil.

Um dia, acho que por inícios dos anos 90 do século passado, sem que se saiba bem porquê, alguns cozinheiros de países onde se fala e escreve o português – de modo tão variado como a comida que por lá se come – sentaram-se à mesa com o firme propósito, asseguravam eles, de uniformizar, por meio de um miraculoso acordo, o aspecto das comidas desses países. Foi o desassossego! Para acalmar os que não acreditaram em tal propósito (há sempre os "saudosistas" da comida tradicional), os cozinheiros-acordistas juraram piamente que só o aspecto dos pratos iria ser uniformizado, que não, que o sabor continuaria a ser o de cada um, que sim, que cada um poderia continuar a cozinhar com os seus próprios ingredientes, que obviamente, os cozinheiros artísticos poderiam continuar a empratar como quisessem, que, evidentemente, a coisa era absolutamente necessária para inundar o mundo inteiro com a comida portuguesa (então as pizzas italianas e os hambúrgueres americanos não o tinham feito?) e para as criancinhas (de 6 ou 7 anos, esclareceram até os cozinheiros-acordistas) poderem escolher mais facilmente os pratos nas ementas ilustradas das cantinas escolares e que a coisa se impunha mesmo, porque nos refeitórios das Nações Unidas andava tudo louco (juravam eles...), porque os portugueses e os brasileiros insistiam em pedir pratos diferentes, apesar de confeccionados com ingredientes muito parecidos, que o novo aspecto, depois de uniformizado, iria abrir as portas a uma política gastronómica a sério, e que não, que ninguém queria mudar os pratos, mas apenas o seu aspecto exterior, e porque sim, que sim, e porque sim senhor. Os que não viam na coisa vantagem, ou até piada alguma, continuavam a querer comer bacalhau a parecer bacalhau, picanha com cara de picanha e moamba que, só pelo aspecto, só podia ser moamba! Diziam até que o aspecto da comida faz também parte do seu paladar e que os olhos também comem! E avançaram com pareceres de gente entendida em coisas de comer a dizer que a ideia era disparatada. Qual quê? Alguns adeptos da nova salgalhada gastronómica começaram a chamar-lhes até “fundamentalistas” e “salazaristas”! Os cozinheiros-acordistas da tal comida de fusão, toda nouvelle, perderam a cabeça e, um a um, com os passaportes bem levantados acima das suas cabeças, gritaram, numa patética e ridícula profissão-de-fé: nós não somos os donos da comida! Nós não podemos obrigar (como se alguém alguma vez tivesse obrigado alguém...) os brasileiros a comer chouriço português, os portugueses a comer linguiça brasileira, os timorenses a comer galinha à moçambicana e os cabo-verdianos a comer moamba angolana. Temos que fundir isto tudo em pratos de aspecto unificado, em que todos os de fora podem mexer na panela de cada um dos de dentro. E até arranjaram uma regra muito simples (números sempre são números, não é?): quem tiver mais pessoas à mesa fica com o direito de mandar na cozinha de todos os outros! Quando passaram tudo a escrito, sim, que estes cozinheiros-acordistas gostam de escrever, sob o título “Acordo Gastronómico da Comida Portuguesa" a regra ficou ainda mais clara: quando a comida brasileira era diferente da portuguesa, os pratos poderiam, facultativamente, ser confeccionados à moda brasileira ou à moda portuguesa; mas quando a comida portuguesa era diferente da brasileira, os pratos teriam que ser apresentados à moda brasileira. Sobre a comida dos outros países, o acordo era mudo, cego e paralítico: que comessem a comida feita nas cozinhas brasileiras e portuguesas, para, depois, quem sabe, poderem olhar orgulhosos para a expansão de uma comida que, não sendo só deles, também podem chamar deles. Na regra dos milhões, os que são mais podem mexer nos tachos de todos. As virtualidades desta mixórdia repelente à vista e sensaborona na boca não são claras para ninguém, mas têm uma vantagem: como o Brasil quer um lugar de cozinheiro nos refeitórios das Nações Unidas, sempre se pode candidatar com um livro de receitas de “comida lusófona unificada”. Os outros países do mundo, que sempre gostaram de provar os sabores de todos nós, hão-de admitir o candidato para confeccionar a nova comida “fundida”, defendem os cozinheiros-acordistas! Sem esquecer, claro, a outra vantagem, essa mais domesticamente lusófona: acaba-se com as casas de pasto e os talhos que os portugueses mantêm cordatamente nos outros países que comem português e substituem-se por botequins e açougues brasileiros. Sim, dizem os cozinheiros do acordo, que isto não é só vosso e "eles" são muitos milhões a mais...

Na mercearia do Sr. António (o pobre anda até a pensar mudar a tabuleta da loja para Antônio, para não perder o trem da grande expansão do negócio que lhe prometeram...) vende-se agora uma “chouguiça” desenxabida, talvez por causa dos temperos tropicais, como manda a lei dos cozinheiros-acordistas! A cozinheira Florência está a dar em doida: tem que cozer a chanfana em leite de coco e servi-la com tucupi, a moamba tem que a fazer com óleo de oliva, os panados são agora preparados com farinha de rosca, a cachupa deve parecer-se com o cozido à portuguesa-moda-do-Recife e as sobremesas têm que levar sempre um toque de leite moça. O António e a Florência não perceberam ainda é como é que esta nova comida travestida e de fusão lhes vai aumentar o negócio a nível internacional e andam seriamente preocupados com os quase 100 000 comensais portugueses, outrora fiéis da boa mesa portuguesa, brasileira, cabo-verdiana, angolana, moçambicana e macaense, que já declararam que não irão pôr mais os pés no novo restaurante! Comidas daquelas? Que as comam eles!

João Roque Dias | Tradutor (CT)
www.jrdias.com


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sexta-feira, 25 de julho de 2008

Sophia, no dia em que Portugal assume a Presidência da CPLP

COM FÚRIA E RAIVA

Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma confiada

De longe muito longe desde o início
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor a água
E tudo emergiu porque ele disse

Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra

Junho de 1974


A PALAVRA

Heraclito de Epheso diz:

«O pior de todos os males seria
A morte da palavra»

Diz o provérbio do Malinké:

«Um homem pode enganar-se em sua parte de alimento
Mas não pode
Enganar-se na sua parte de palavra»

Sophia de Mello Breyner Andresen
Obra Poética III, O Nome das Coisas, Ed. Caminho, pág.199 e 210

Contribuição de Maria José Abranches, por e-mail

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quarta-feira, 23 de julho de 2008

Vasco Graça Moura - NÃO!

É possível que o Presidente da República não tivesse outro remédio formal que não fosse o de ratificar o segundo protocolo modificativo do Acordo Ortográfico.

Mas acontece que o Presidente da República é hoje o único alto responsável político português que tem plena consciência de que o Acordo Ortográfico é um deprimente chorrilho de asneiras. E de que a sua adopção introduzirá um cancro incurável na ortografia da língua portuguesa.

O Presidente da República está ciente de tudo isso por ter mandado estudar a abundante documentação que lhe foi entregue oportunamente, coisa que, de resto, o Governo não fez e devia ter feito.

Sendo que todas as análises especializadas produzidas sobre o Acordo são profundamente negativas, criar condições para que ele entre em vigor, sem se promover uma sua revisão de fundo, gera uma gravíssima responsabilidade jurídica, moral, política, cívica e cultural que não pode ser escamoteada por ninguém e a que o Presidente da República não pode fugir.

A ratificação vai ainda tornar possível a sequência delirante e já anunciada pelo ministro da Cultura de ser promovida a aplicação do Acordo em Portugal, independentemente do que resolverem Angola, Moçambique e a Guiné-Bissau, mais uma vez contra o parecer dos especialistas mais abalizados.

Decorridos 18 anos sobre a enormidade e, entre o desuso, o desinteresse, a obsolescência e a verificação gritante da péssima qualidade do Acordo, não há razão nenhuma para acelerações e muito menos para o Governo português decidir aplicá-lo antes de Angola, Moçambique e a Guiné-Bissau o terem ratificado, o que, aliás, oxalá não façam nunca...

Ao contrário do que diz o ministro da Cultura, não é o Governo que decide quando o aplica em Portugal, dado o contexto em que toda a questão se coloca. Toda a lógica da situação obriga a que Portugal não se comporte com voluntarismos caprichosos de dono pesporrente da língua. E recomendaria a qualquer decisor político de boa-fé se aproveitasse o tempo ainda disponível para se promover uma revisão imprescindível.

Mas entretanto, o Governo tentará comprometer pessoalmente o Presidente da República com toda esta situação vergonhosa, já que o Acordo Ortográfico foi subscrito em 1990 quando o prof. Cavaco Silva era primeiro-ministro. Simplesmente, há indícios de a chefia do Governo da época ter sido grosseiramente manipulada.

António Emiliano acaba de publicar na Guimarães Editores o livro O Fim da Ortografia - Comentário Razoado dos Fundamentos Técnicos do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).

Aí afirma, quanto à Nota Explicativa, única peça oficial em que se fundamenta o Acordo, que "com documento tão desconchavado, tão imperfeito e tão lacunar, nenhum decisor político está ou esteve em condições de apreciar verdadeiramente o teor e as consequências da reforma".

E acrescenta: "É meu parecer profissional que o texto da Nota Explicativa peca não apenas por conter erros grosseiros de análise linguística e de apreciação da estrutura, natureza e funcionamento de um sistema ortográfico, mas também por induzir deliberadamente em erro os decisores políticos quanto à verdadeira extensão das mudanças ortográficas propostas."

De resto, António Emiliano não se limita a demonstrar que o Acordo Ortográfico é um conjunto calamitoso de erros inaceitáveis.

Indo mais longe do que quaisquer outros estudos academicamente qualificados que já aqui citei mais do que uma vez, este livro demolidor interpela o sentido de responsabilidade de todo e qualquer falante do português euro-afro-asiático-oceânico.

Da sua análise implacável resulta que se está perante um verdadeiro crime contra a língua portuguesa.

Ante todo este escândalo, a sociedade civil não pode cruzar os braços. Tem de insistir no seu protesto. Tem de engrossar o caudal das suas tomadas de posição. Tem de assinar maciçamente a petição/manifesto que corre na Internet. Tem de começar a enviar sms para todos os lados, dizendo que o Acordo Ortográfico é uma vergonha nacional. Tem de provocar a revisão dessa enormidade. Tem de afirmar em todas as ocasiões que não o aceita e se recusa a dar-lhe cumprimento.

Vasco Graça Moura | Escritor | Diário de Notícias | 23/7/2008

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Assine a petição em www.ipetitions.com/petition/manifestolinguaportuguesa.
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terça-feira, 22 de julho de 2008

Presidente da República promulgou Acordo Ortográfico

Notícia Lusa / Público: Cavaco Silva promulgou Acordo Ortográfico
(21.07.2008 - 13h00 Lusa)

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A petição Manifesto Em Defesa da Lingua Portuguesa Contra o Acordo Ortográfico continua aberta, em linha e a receber assinaturas, em www.ipetitions.com/petition/manifestolinguaportuguesa.

Contava à data da notícia da promulgação do Acordo com 87 742 assinaturas, recolhidas em pouco mais de 2 meses. Ficará aberta e a recolher assinaturas contra a implementação deste Acordo durante todo o período transitório (seis anos), se for necessário.

A petição aguarda o agendamento da sua apreciação em plenário da Assembleia da República, nos termos da Lei.

Assine-a em www.ipetitions.com/petition/manifestolinguaportuguesa.
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domingo, 20 de julho de 2008

Acordo Ortográfico: Ministro da Cultura recebeu críticos

Notícia Lusa/Expresso
«Acordo Ortográfico: Ministro da Cultura recebeu críticos
Lisboa, 18 Jul (Lusa) - O ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, recebeu hoje um grupo de signatários da petição contra o Acordo Ortográfico, uma reunião considerada pelas duas partes como "cordial".

19:50 | Sexta-feira, 18 de Jul de 2008
Lisboa, 18 Jul (Lusa) - O ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, recebeu hoje um grupo de signatários da petição contra o Acordo Ortográfico, uma reunião considerada pelas duas partes como "cordial".

"Foi um encontro que decorreu numa atmosfera de grande cordialidade e de compreensão recíproca" disse à Lusa Vasco Graça Moura, primeiro signatário da petição, no final do encontro.

"Foi uma troca de impressões muito leal, correcta e cordial", resumiu o ministro da Cultura.

Mas, após uma hora de reunião, as duas partes reafirmaram os seus pontos de vista, com a delegação constituída por Graça Moura, António Emiliano e José Nunes a reiterar as suas reservas face ao Acordo Ortográfico e o Governo a defendê-lo.

Os signatários da petição entregaram ao ministro um dossiê com vários pareceres contra o Acordo Ortográfico, documentos que já tinham sido entregues ao Presidente da República, à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a todos os países que fazem parte desta.

"Temos esperança no bom-senso dos titulares dos órgãos de soberania", afirmou o escritor, adiantando esperar que haja a compreensão destes para as "terríveis implicações do Acordo".

"O texto do chamado Acordo sofre de inúmeras imprecisões, erros e ambiguidades - não tem condições para servir de base a qualquer proposta normativa", considera a petição que já deu entrada na Assembleia da República, onde deverá ser discutida na próxima sessão legislativa, aguardando ainda agendamento.

Os peticionários entendem que o Acordo Ortográfico, alcançado em 1990, deve ser revisto e negociado, e pedem a suspensão da sua aplicabilidade independentemente da ratificação do protocolo modificativo de 2004.» (ler notícia completa)

sexta-feira, 18 de julho de 2008

MINISTRO DA CULTURA RECEBE SIGNATÁRIOS DA PETIÇÃO CONTRA O ACORDO ORTOGRÁFICO

Um grupo de signatários da PETIÇÃO MANIFESTO EM DEFESA DA LÍNGUA PORTUGUESA CONTRA O ACORDO ORTOGRÁFICO (que desde 2 de Maio recolheu já mais de 87.000 assinaturas), constituído por Vasco Graça Moura, António Emiliano e José Nunes será recebido pelo Ministro da Cultura esta sexta-feira, dia 18 de Julho de 2008, em audiência marcada para as 15h30, no Palácio da Ajuda.

Os signatários farão entrega de um dossier em CD-ROM com documentação relevante, contendo diversos pareceres contra o Acordo Ortográfico, alguns dos quais inéditos. Estes mesmos documentos foram já entregues a Sua Excelência o Senhor Presidente da República no passado dia 2 de Junho, à CPLP e a todos os países da CPLP, mediante entrega protocolar nas respectivas Embaixadas em Lisboa.

A maioria dos pareceres estão disponíveis para consulta no blogue oficial da petição, secção "Documentos".

A petição, que vai agora a caminho das 100.000 assinaturas, foi já admitida na Assembleia da República e aguarda o agendamento da sua apreciação em Plenário, nos termos da Lei, continuando disponível para assinatura em www.ipetitions.com/petition/manifestolinguaportuguesa.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Ricardo Migueis - Economia e língua

Não é a economia que anda a cavalo na língua, é a língua que anda a cavalo na economia. Economiza-se e facilita-se na língua para que se fale melhor economia. É assim que se define o argumento base dos acordistas, senão veja-se a entrevista do Ministro da Cultura no Jornal Expresso desta semana.

Mais uma vez, em nenhum momento, houve uma referência à língua enquanto expressão rica de identidades e povos, nem às alterações impostas pelo AO e em que medida estas contribuem para melhorar ou piorar a vida quotidiana de quem usa a língua para comunicar pela oralidade e pela escrita (todos…). Muito menos foi analisado o impacto em sectores específicos, como no ensino e no papel do professor da escola primária ou secundária, ou na aprendizagem dificultada pela incoerência acordista. Tal qual um crente na vidência, ou um lutador que baixou as luvas, acredita-se simplesmente que Portugal já não tem trunfos. O Brasil é o grande país da cena internacional de amanhã e como já se acabou a época de ouro do investimento directo português no Brasil, usemos a língua. Como se o acordo fosse ajudar a agarrarmo-nos aos calcanhares de um país tão diverso… como se o impacto do AO fosse miraculosamente fazer o Brasil virar os olhos para Portugal como se de mais um estado federal brasileiro se tratasse.

A grandeza do Brasil e de Portugal é muito maior que a pequenez desse desígnio. Há muito trabalho a fazer no âmbito de uma política de língua que permita que esta não seja mais uma moeda desvalorizada. Além disso, repito pela enésima vez… é de língua que estamos a falar, embora não pareça.

Ricardo Migueis | DINÂMIA/ISCTE | Editor da Revista Autor

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Vasco Graça Moura - LUÍS FIGO E A POLÍTICA DA LÍNGUA

Este Governo não tem emenda. Continua agarrado às manifestações de fachada e a não se preocupar minimamente com o rigor e a correcção daquilo que faz ou anuncia que vai fazer.

Uma das suas vítimas favoritas é a língua portuguesa. Tem-se visto abundantemente no que respeita ao Acordo Ortográfico. Mas agora, segundo o Expresso, o Conselho de Ministros prepara-se para adoptar esta semana uma resolução lançando "as bases de uma política da língua".

Essa comovente iniciativa seria muito interessante se o Governo a tivesse feito preceder de um debate público convincente.

Mas limita-se a tomar como base um estudo coordenado pelo meu amigo Carlos Reis, cuja competência nesta matéria é, não duvido, muito superior àquela de que ele tem dado provas no tocante ao Acordo Ortográfico, mas cuja credulidade me suscita as mais sérias reservas, uma vez que, entre outras coisas, atribui a Luís Figo um papel canónico na promoção da língua portuguesa em Espanha...

O certo é que ficaríamos todos bem mais sossegados se fosse conhecida a posição do Ministério da Educação, das universidades e de outras instituições e se tivesse havido uma discussão pública séria destas e de outras análises, bem como das linhas e dos critérios enunciados para as bases de uma política da língua.

Mas o Governo tem pressa. Vem aí a CPLP e ele quer ter alguma coisa para mostrar, com o picante de pretender agora lançar as bases de uma política da língua sem auscultação dos restantes países interessados... Não tem emenda, repito.

Todavia, há coisas que, mesmo sob a égide simpática de Luís Figo, são difíceis de perspectivar e até de engolir para alguns países da CPLP.

Poderá o Governo português assentar em que Angola e Moçambique não têm "um peso internacional considerável"?

E em que é preciso esperar que o tenham para a língua portuguesa se internacionalizar?

Com isto, aceitará o Governo português que o mundo inteiro, com Angola e Moçambique à frente, se lhe ria na cara?

O Governo português, tão encrençado em TGVs, afinal estará disposto a deixar agachadamente que o Brasil seja "a locomotiva fundamental do processo" e "o grande interlocutor no universo da língua portuguesa para África"? Para África?

Poderá o Governo português tomar medidas credíveis e oportunas de uma política da língua a partir do nenhum rigor, do espírito de demissão e da patente incorrecção política e cultural de pressupostos deste tipo?

E acaso terá sido prevista alguma política para a uniformização da terminologia gramatical, depois de tudo o que se passou com a TLEBS do lado de cá? Ou caminha-se irreversivelmente para uma dupla gramática pela mão dos mesmos que tanto se eriçam com as consoantes mudas?

O mais intrigante de tudo é que está a ser desenvolvida desde há anos uma política para a língua portuguesa no mundo. A presidente do Instituto Camões descreveu-a na FLAD em 5.11.2007 (Promoção da Língua Portuguesa no Mundo, relatório da reunião de trabalho, Fundação Luso-Americana, Novembro de 2007, pp. 43-56).

Aí se desenha um conjunto de linhas de acção concreta, a que provavelmente continua a faltar uma boa dotação orçamental, ligados a uma "óptica de trabalho sobre e com a língua portuguesa: língua da comunicação, do trabalho, da ciência, da cultura, do direito e da diplomacia", na perspectiva articulada de três vectores. Resumindo muitíssimo: 1) intra-fronteiras dos países CPLP e organizações internacionais e regionais em que o português é língua de trabalho, como o espaço ACP; 2) estratégias de promoção da língua, da cultura portuguesa e das culturas em língua portuguesa, por Portugal enquanto Estado membro da UE, fazendo valer esta "como língua de oito vozes culturais"; 3) promoção da língua e cultura portuguesas por Portugal em correlação com os seus próprios interesses sociopolíticos, apostando na promoção do ensino no Magrebe, na China e na Índia, nos países da Organização dos Estados Ibero-Americanos, nos EUA e no Canadá.

Então o Governo português vai atrever-se a mandar todo este trabalho para o lixo? Ó Luís Figo, vá lá, faça sinal a esta gente de que assim ainda perde de vez o campeonato…

Vasco Graça Moura | Escritor | Diário de Notícias | 9/7/2008

domingo, 13 de julho de 2008

Peritos arrasam Acordo Ortográfico

Notícia Jornal de Notícias, 12/7/2008:
«Peritos arrasam Acordo Ortográfico
Esmagadora maioria dos linguistas, académicos e editores consultados estão contra o tratado
por Sérgio Almeida

Se a implementação do Acordo Ortográfico dependesse apenas dos resultados do processo de consulta, há muito que o projecto teria sido abandonado. Das 27 entidades contactadas, apenas duas se mostraram favoráveis.

As dúvidas e críticas severas manifestadas pelos peritos da maior parte das instituições participantes não impediram que a ratificação do Acordo seguisse o seu rumo: o tratado que visa unificar a língua portuguesa aguarda apenas a promulgação do presidente da República para tornar-se uma realidade.

Nas respostas das 14 entidades que participaram no inquérito promovido pelo Instituto Camões, abundam as críticas. Entre pedidos adicionais de informações e o desconhecimento sobre as alterações a introduzir, não faltam, também, entidades, como a Associação Portuguesa de Linguística ou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), que solicitam "a suspensão imediata do processo". Ivo Castro, responsável do Departamento de Linguística Geral e Românica, chega mesmo a questionar se o Acordo "poderá ser, com o princípio de facultatividade em que assenta, um verdadeiro instrumento de uniformização, como qualquer ortografia pretende ser".»
(ler notícia completa)

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Ricardo Migueis - O falso argumento: o Acordo Ortográfico e a expansão e afirmação internacional da língua portuguesa

A única influência efectivamente sentida no plano internacional pelas alterações introduzidas pelo Acordo Ortográfico, poderá vir exactamente da sua pior característica: o facilitismo subjacente à homogeneização com base na oralidade (brasileira, apenas). Que este facilitismo prejudicará a aprendizagem da língua já foi aqui e noutros meios exposto diversas vezes. Concentremo-nos no possível impacto do AO para a representação/presença/afirmação da língua portuguesa em fora internacionais. Ele será reduzidíssimo:
- não será por ele que a CPLP se tornará uma entidade supranacional reforçada e representativa, isso exigiria vontade política de outra natureza. O facto de a União Europeia não ter uma língua comum pode sair em caro em traduções, mas não impediu a integração política, económica e um saudável intercâmbio cultural e social;
- não colocará o português como língua oficial no Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio ou Nações Unidas, se isso vier a acontecer será em virtude do desenvolvimento económico do Brasil, que pela sua escala em número de habitantes e Produto Interno Bruto poderá ganhar peso nestas instituições;
- não será factor relevante para ajudar o Brasil a conseguir um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU;

Em recente entrevista ao jornal Expresso, o Professor Carlos Reis (Reitor da Universidade Aberta), diz, na mesma senda, que os “falantes (da língua portuguesa) são em parte integrados por povos e países que, infelizmente, contam pouco no concerto internacional”. No entanto, e ao contrário do que o mesmo adianta naquela entrevista, dificilmente se entenderá a correlação directa que ele parece querer estabelecer, entre o AO e a projecção das universidades portuguesas no exterior, seja em África, na Ásia ou em qualquer outro lado. A língua continuará a ser distinta e os factores de atractividade de alunos estrangeiros, ou de qualidade, não se prenderão certamente com a existência de uma ou duas normas ortográficas.

Acrescente-se à lista de correlações difíceis de compreender, ainda no âmbito do tão desejado objectivo de expansão e afirmação internacional da língua portuguesa, o crescimento do número de pessoas a aprender português vs Acordo Ortográfico. Se o número de aprendizes da língua portuguesa já está em crescimento, certamente não será por causa do Acordo Ortográfico, mas sim devido à afirmação internacional do Brasil e, em parte de Angola.

Parece estranho que se peça que nos olhemos isoladamente Portugal, em toda a sua “pequenez e necessária subjugação”, e de seguida se peça que Portugal tenha uma política de língua estruturada, clamando-se que esta vai em muito contribuir para a expansão da língua portuguesa. É claro que vai, mas não será por causa de qualquer AO. A política de língua precisa de ser bem definida, é fabuloso que se ande a trabalhar nela. Só é pena que nenhum dos pilares desse trabalho seja… a língua em si.

Enfim, é impossível e não desejável a unificação fonológica, morfológica, sintáxica e lexical da língua portuguesa entre todos os países da CPLP. Não será possível transformar a CPLP numa grande federação de países em que a língua falada e escrita é, de facto, unificada. Não será minimamente desejável desvalorizar as singularidades locais em prol de uma comunidade unificada por um idioma comum. As singularidades enriquecem o património comum. Por tudo isto e muito mais, o argumento que faz depender a vitalidade da língua portuguesa de um qualquer Acordo Ortográfico, é falso. Além disso, convinha reflectir um pouco sobre que língua portuguesa estão os acordistas a tentar promover...

Ricardo Migueis | DINÂMIA/ISCTE | Editor da Revista Autor

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Ramiro S. Osório - O ACORDO VAI NU?

"Meti toda a minha vida a saber desenhar como uma criança." (Picasso)

É desse modo que é preciso demonstrar que um acordo ortográfico não pode fazer o que os seus defensores dizem que pode. Talvez alguns saibam que não pode. Talvez o móbil seja outro. E andam uns mitos no ar.

"ALGUNS MITOS MENORES POSTOS À CIRCULAÇÃO" PELOS DEFENSORES DO "ACORDO":

1º MITO

"A EXISTÊNCIA DE DUPLA GRAFIA LIMITA A DINÂMICA DO IDIOMA E AS DIFERENÇAS CRIAM OBSTÁCULOS (...)"
Fonte: "Acordo Ortográfico do Português: perguntas frequentes")

Essa afirmação dos defensores não corresponde à realidade.
A DUPLA GRAFIA NÃO CRIA REAIS OBSTÁCULOS DE COMUNICAÇÃO.

NÃO HÁ ACORDO ORTOGRÁFICO QUE POSSA MELHORAR A COMUNICAÇÃO ENTRE OS 8 PAÍSES DA COMUNIDADE DE PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA

Porque:

Uma língua é um meio de comunicação.
A língua portuguesa sempre permitiu e continua a permitir - com êxito - a comunicação entre os 8 países da CPLP.
Se a comunicação não é total entre esses países, é por causa dos obstáculos criados pelas diferenças lexicais, e não pelas diferenças ortográficas.

Quando lemos um texto, a sua compreensão não se perde com os erros ortográficos: ótimo, afeto, ação, úmido.
Quando lemos um texto, a sua compreensão perde-se quando lemos: camisola, privada, cara, curtir e afinal essas palavras não significam o que significam em português e precisam (não de acordo ortográfico, mas sim:) de tradução porque nem todos vêem telenovela. No dicionário (inexistente) viria: camisa de noite, casa de banho, indivíduo, gozar.

O Embaixador de um dos países da CPLP contou-me que, há uns anos atrás, num dos países da Comunidade havia uma grande falta de livros. O Brasil enviou milhares de livros. Esses livros nunca foram distribuídos porque a leitura seria dificultada por esses livros não estarem escritos com a mesma ortografia.

Ora, se o "acordo" entrasse em vigor... O FUNDO DO PROBLEMA SUBSISTIRIA.
A ortografia não é a língua. Não interessa escrever com forma igual palavras com significados diferentes (homónimos, na realidade), quando para mais: elas serão articuladas por SINTAXES DIFERENTES, num discurso também não unificado por causa de LÉXICOS DIFERENTES.

QUER DIZER QUE – ao contrário do que dizem os seus defensores – UM ACORDO ORTOGRÁFICO NÃO MELHORARIA A COMUNICAÇÃO ENTRE OS 8 PAÍSES DA CPLP.

2º MITO

"NOS FÓRUNS INTERNACIONAIS, COMO A ONU, OS DOCUMENTOS OFICIAIS NÃO TERÃO QUE SER MAIS TRADUZIDOS PARA AS DUAS VARIANTES DA LÍNGUA LUSA, COMO ACONTECE AGORA."
(Fonte: www.gopetition.com/online/17740.html)

(Antes de mais, uma rectificação técnica:
Raio de pouca sorte, a própria frase citada precisa de tradução: "não terão que ser mais traduzidos" não é português. E "língua lusa" (também) não é terminologia portuguesa.)

AO CONTRÁRIO DO QUE AFIRMAM OS DEFENSORES DO "ACORDO", AFIRMO QUE - SE ELE FOSSE ADOPTADO - NA ONU, etc. CONTINUARIAM A SER NECESSÁRIAS DUAS VERSÕES DE TRADUÇÃO NOS DOCUMENTOS ESCRITOS (sintaxe oblige) E DUAS VERSÕES DE TRADUÇÃO ORAL (pronunciação oblige).

Falando de ONU, vem a propósito corrigir mais dois erros que muito frequentemente os defensores do "acordo" fazem (e não são os únicos).

O PORTUGUÊS NÃO É A ÚNICA LÍNGUA SEM GRAFIA OFICIAL.
NÃO É NECESSÁRIO UMA LÍNGUA TER UMA GRAFIA OFICIAL PARA PODER SER ADOPTADA COMO LÍNGUA DE TRABALHO NA ONU.

PROVA DISSO:
O padrão da ONU para os documentos escritos em língua inglesa (United Nations Editorial Manual) segue o " British usage " e o " Oxford spelling ". (1)
(Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/United_Nations

De onde se pode concluir que a língua inglesa é uma língua oficial da ONU apesar de não ter uma grafia unificada.

CONCLUSÃO:

A língua portuguesa sempre permitiu e continua a permitir - com êxito - a comunicação entre os 8 países da CPLP.
Vimos que:
1) NOS PAÍSES LUSÓFONOS, UM ACORDO ORTOGRÁFICO NÃO MELHORARIA A COMUNICAÇÃO
2) NA ONU, ETC., CONTINUARIAM A SER NECESSÁRIAS DUAS VERSÕES DE TRADUÇÃO NOS DOCUMENTOS ESCRITOS (sintaxe oblige) E DUAS VERSÕES DE TRADUÇÃO ORAL (pronunciação oblige).

ENTÃO UM ACORDO PARA QUÊ?
(É que o acordo talvez não vá nu, mas mascarado. E não me referirei neste artigo à negociata livresca, que é fresca. E mais outras que haverá).

DIZEM OS DEFENSORES QUE ASSIM O IDIOMA PORTUGUÊS ENTRARIA NA ONU.

Acontece que a petição para o "idioma" português entrar na ONU está redigida no "idioma" brasileiro (digo idioma porque idioma é a língua própria de uma nação. Assim se pode dizer que na CPLP estão presentes oito idiomas de uma língua comum).

Como Coimbra não é Oxford, nem Portugal soube prestigiar a sua língua como o Reino Unido o fez, penso que não é um processo de intenção prever que, no futuro, a "mais-valia" dos milhões que o Brasil representa faça que a língua internacional – com ou sem "acordo" - seja o brasileiro e não o português. MAIS UMA RAZÃO PARA SER CONTRA O ACORDO.

Se no futuro, tivermos de falar brasileiro para sermos entendidos "lá fora", mais uma razão para lutar para podermos continuar a falar e a escrever português "cá dentro" (by the way, eu sou o autor deste conceito que irmanou Portugal ao "lá fora").

Se o pretendente ao Conselho de Segurança da ONU é o Brasil, por que é que o Brasil não leva para a ONU o “português do Brasil" (como lá se diz) e nós (e outros países da Comunidade, se assim o entenderem) continuamos com o português? É para nos pouparem que não nos transformemos numa língua morta? Alguém pode pensar que é por decreto que uma língua não envelhece e não morre? Quem acredita que foi por não compactuar com um "acordo" que o grego clássico e o latim morreram?

Claro que não posso terminar sem aqui deixar claro o seguinte:
O problema "ACORDO" transformou-se em matéria melindrosa. Em vez da unificação proclamada pelos seus defensores, vejo criarem-se abismos entre amigos brasileiros e portugueses, tal como entre amigos portugueses. É-me doloroso porque sou brasileirófilo e português.


(1) Deixo esta nota de roda pé porque considero interessante ver como países saxónicos podem ser mais ciosos da etimologia grega e latina do que alguns países latinos.

Oxford spelling (or Oxford English spelling) is the spelling used in the editorial practice of the Oxford English Dictionary (OED) and other English language dictionaries based on the OED, for example the Concise Oxford English Dictionary, and in academic journals and text books published by Oxford University Press. In digital documents, the use of Oxford spelling can be indicated with the language tag en-GB-oed.
Oxford spelling follows British spelling in combination with the suffix -ize instead of -ise. For instance, organization, privatize and recognizable are used instead of organisation, privatise and recognisable. In the last few decades, the suffix -ise has become the usual spelling in the UK. Therefore, many people incorrectly regard -ize as an Americanism, although the form -ize has been in use in English since the 16th century. [1] The use of -ize instead of -ise does not affect the spelling of words ending in -yse, which are spelt analyse, paralyse and catalyse in line with standard British usage.
In the Oxford English Dictionary, the choice to use -ize instead of -ise is defended as follows: "[...] some have used the spelling -ise in English, as in French [...] But the suffix itself, whatever the element to which it is added, is in its origin the Greek -izein, Latin -izare; and, as the pronunciation is also with z, there is no reason why in English the special French spelling should be followed, in opposition to that which is at once etymological and phonetic. In this Dictionary the termination is uniformly written -ize."
(Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Oxford_spelling)

Ramiro S. Osório | Utente da língua e escritor

terça-feira, 8 de julho de 2008

A. M. Machado Pires - Tardiamente lastimáveis

Estar com o princípio de um acordo é uma coisa; subscrever este é outra. Divergir deste acordo não é nem ser “fundamentalista”, nem “patrioteiro”, nem querer estar “orgulhosamente sós”, coisa que, sem o “orgulhosamente”, nos está a suceder em muitos aspectos da vida nacional. O português tende a condenar, depreciar ou mesmo apontar à execração aquilo que pensam os que não pensam como ele. Uma espécie de cartesianismo egolátrico: cogito, ergo tenho razão!
Criar múltiplas facultatividades e alternativas, escrever ao sabor da tolerância ou da oralidade é semear a confusão entre os professores, os alunos e os estrangeiros que querem aprender com clareza a língua portuguesa. Porque muita coisa mudou ao longo do tempo, nem tudo pode mudar como se quer. Nem “por decreto”. Acaso têm muitos a consciência científico-linguística de que as línguas mudam, evoluem, “estropiam-se” segundo leis fisiológicas, usos que se consagram e só depois se reconhecem?
E as abstrusões resultantes da supressão do hífen em palavras compostas? E a falta de acentos, obrigando a depreender pelo contexto quando a língua sempre teve eficazes e precisos indicadores para o fazer? Amamos/amámos, ficamos/ficámos, etc. O opinante comum (com o devido respeito) favorável ao acordo saberá que á/a é/ê ó/ô são fonemas e o que isso comporta? E o brasileiro vai mesmo deixar de pôr o trema na linguiça, na linguística, no arguido?! Arguido em português não o tem: por isso já se ouviu pronunciar “arguído”! Sempre que se pode indicar, deixe-se ficar o indicador; antecipa-se a explicação e evita-se a calinada. "A secretaria secretaria o chefe todos os dias" . É repetição ou gralha? Logo se dirá que o contexto resolve. Mas antes que a cabeça reconheça pelo contexto, provavelmente já saiu mal lido ou
hesitado.
Os linguistas estão longe da unanimidade; os professores, os escritores, os políticos (estes nem sempre pelas melhores razões), o cidadão comum também hesitam. Então por que não reanalisar o acordo? Não ao “orgulhosamente sós”? Decerto… Mas pior seria o tardiamente lastimados. Uma má obra pública arruína temporariamente o erário público. Um atentado à língua mina duradoiramente um património de um Povo. Irremediavelmente, porque a evolução da língua não tem retorno.
O orgulho de posições deve dar lugar a uma serena análise enquanto é tempo. Citando uma antiga aluna: a fórmula da sabedoria é “uma colherinha de orgulho e duas de humildade”.

A. M. Machado Pires, Ex-reitor da Universidade dos Açores / Filólogo e Historiador da Cultura

domingo, 6 de julho de 2008

Vasco Graça Moura: Acordo Ortográfico — A omeleta estragada


«Há gente que pretende fazer uma omeleta ortográfica a toda a pressa. Mas não quer que se veja que os ovos estão de todo impróprios para consumo e muito menos analisar o estado em que eles se encontram. No fundo, este é um problema mais para a ASAE do que para a CPLP...»




A CPLP vai reunir em Lisboa em 20 e 21 de Julho. É possível que o Acordo Ortográfico volte sorrateiramente a fazer parte da agenda.

Pelo sim, pelo não, e para que não haja falhas de cabal esclarecimento, os signatários da petição manifesto em defesa da língua portuguesa estão a entregar nas embaixadas dos países membros da CPLP um dossier com todos os pareceres negativos sobre o AO que, de resto, se encontram arquivados e disponíveis no seu blogue oficial (http://emdefesadalinguaportuguesa.blogspot.com/).

A petição, que já ronda as 80.000 assinaturas, deverá ultrapassar as 100.000 dentro de três semanas. Quando for discutida na Assembleia da República terá muitas mais. Mas para já, será um firme e oportuno enquadramento da sociedade civil para a reunião da CPLP.

Entretanto, tive oportunidade de verificar que o Governo induziu escandalosamente em erro o Parlamento, a propósito do AO.

Lia-se no sétimo considerando da proposta de resolução nº 71/X/3, enviada à AR para aprovação do segundo Protocolo Modificativo que “o actual Governo consultou, através do Instituto Camões, as diversas entidades relevantes nesta matéria, como a Academia das Ciências de Lisboa, a Associação Internacional de Lusitanistas, a Associação Portuguesa de Escritores [sic] e Livreiros, a Associação Portuguesa de Linguística, a Fundação Calouste Gulbenkian e a União de Editores Portugueses”.

O Primeiro-Ministro e os ministros dos Negócios Estrangeiros, da Presidência e dos Assuntos Parlamentares invocavam nesses termos as consultas feitas a entidades com peso científico, além das feitas àquelas que, por razão empresariais, teriam interesse em manifestar-se.

Qualquer pessoa desprevenida acreditaria que as respostas recebidas eram globalmente positivas e favoráveis.

Mas não foi assim.

Positiva foi apenas a da Academia das Ciências, em causa própria e com um parecer da pena de Malaca Casteleiro…

A Associação Internacional de Lusitanistas, consultada em 4.10.05, não respondeu.

A Fundação Gulbenkian disse, em 24.11.05, que aplicaria o AO às obras que editasse, após a sua entrada em vigor. Isto é, que cumpriria a Lei.

A Associação Portuguesa de Linguística, num extenso e fundamentado parecer de 12.12.05, pronunciou-se pela imediata suspensão do processo em curso. No mesmo sentido, em 1.11.05, o Departamento de Linguística Geral e Românica da Faculdade de Letras de Lisboa. E o Instituto de Linguística Teórica e Computacional, tendo levantado vários problemas, afirmou: “De qualquer modo, o Acordo ortográfico terá sempre consequências bem mais graves que a existência actual de duas normas, sobretudo na língua escrita no âmbito da Internet” (28.10.05).

É tudo. Outras entidades universitárias consultadas não chegaram a dar resposta, nem houve qualquer insistência para que a dessem.

As editoras e associações de editores manifestaram outro tipo de preocupações e fizeram perguntas que não foram respondidas.

Assim, o Governo não fez só tábua rasa dos pareceres negativos anteriores: veio invocar perante a AR este panorama contraditório dos fins que tinha em vista e louvou-se nele para fundamentar a sua proposta de aprovação do Protocolo, o que é uma fraude pura e simples.

Entretanto, continua a não ser conhecido o teor do estudo sobre a língua portuguesa que foi entregue ao Governo há já várias semanas.

Continua a não se saber qual é a posição da Ministra da Educação quanto ao Acordo Ortográfico.

E surgem notícias curiosíssimas como a do Sol de 28.6.08, segundo a qual cerca de 150 docentes e investigadores discutiriam em Coimbra, anteontem e ontem, “os desafios que se colocam ao ensino da língua portuguesa desde o pré-escolar ao básico, nomeadamente com a introdução do Acordo Ortográfico”, num encontro que terá reunido professores do ensino básico e superior, entre os quais dois numerosos docentes da Universidade.

Há gente que pretende fazer uma omeleta ortográfica a toda a pressa. Mas não quer que se veja que os ovos estão de todo impróprios para consumo e muito menos analisar o estado em que eles se encontram. No fundo, este é um problema mais para a ASAE do que para a CPLP…

Vasco Graça Moura | Escritor | Diário de Notícias | 2/7/2008