“Eis a minha crónica de hoje do Público:
O acordo ortográfico que alguns linguistas nos querem impor à força começa com esta contradição delirante: 1) vamos reformar a ortografia para dar um passo na direcção da unificação ortográfica e 2) vamos seguir o princípio fonético nessa reforma. 1 é incompatível com 2 pela simples razão que as maiores diferenças entre o português de Portugal e o dos outros países é precisamente a fonética. Daí que o acordo tenha o resultado de desunificar quando pretendia o oposto: hoje escrevemos todos, no Brasil, Portugal e nos outros países, “aspecto”. Mas com o acordo os brasileiros continuam a escrever do mesmo modo, porque ao falar pronunciam o “c”; mas nós deixaremos de escrever o “c” porque não o pronunciamos.
Uma pessoa ingénua poderá pensar que um acordo ortográfico que parte destes dois princípios contraditórios só pode ter sido arquitectado por palermas, e poderá ter razão. Mas não tem toda a razão. Outra explicação plausível é que os linguistas que fizeram este acordo o fizeram por razões diferentes das que usam para o vender aos políticos. Aos políticos, falam da unificação da língua e acenam com a maravilha do Quinto Império Linguístico. Como os políticos não resistem a uma saudade salazarista de conquistas futuras e grandiosidades sonhadas, ficam logo emocionados. Mas a razão mais forte que move os linguistas é a pura vontade teórica de mudar a maneira como as pessoas escrevem, para aplicar teorias linguísticas supostamente de esquerda, simplificadoras da ortografia, que encara coisas como as consoantes mudas uma relíquia conservadora do tempo em que só 1 % da população sabia escrever. (...)”
Desidéro Murcho | Filósofo. | texto completo em De rerum natura | 17/06/2008
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