quinta-feira, 10 de julho de 2008

Ramiro S. Osório - O ACORDO VAI NU?

"Meti toda a minha vida a saber desenhar como uma criança." (Picasso)

É desse modo que é preciso demonstrar que um acordo ortográfico não pode fazer o que os seus defensores dizem que pode. Talvez alguns saibam que não pode. Talvez o móbil seja outro. E andam uns mitos no ar.

"ALGUNS MITOS MENORES POSTOS À CIRCULAÇÃO" PELOS DEFENSORES DO "ACORDO":

1º MITO

"A EXISTÊNCIA DE DUPLA GRAFIA LIMITA A DINÂMICA DO IDIOMA E AS DIFERENÇAS CRIAM OBSTÁCULOS (...)"
Fonte: "Acordo Ortográfico do Português: perguntas frequentes")

Essa afirmação dos defensores não corresponde à realidade.
A DUPLA GRAFIA NÃO CRIA REAIS OBSTÁCULOS DE COMUNICAÇÃO.

NÃO HÁ ACORDO ORTOGRÁFICO QUE POSSA MELHORAR A COMUNICAÇÃO ENTRE OS 8 PAÍSES DA COMUNIDADE DE PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA

Porque:

Uma língua é um meio de comunicação.
A língua portuguesa sempre permitiu e continua a permitir - com êxito - a comunicação entre os 8 países da CPLP.
Se a comunicação não é total entre esses países, é por causa dos obstáculos criados pelas diferenças lexicais, e não pelas diferenças ortográficas.

Quando lemos um texto, a sua compreensão não se perde com os erros ortográficos: ótimo, afeto, ação, úmido.
Quando lemos um texto, a sua compreensão perde-se quando lemos: camisola, privada, cara, curtir e afinal essas palavras não significam o que significam em português e precisam (não de acordo ortográfico, mas sim:) de tradução porque nem todos vêem telenovela. No dicionário (inexistente) viria: camisa de noite, casa de banho, indivíduo, gozar.

O Embaixador de um dos países da CPLP contou-me que, há uns anos atrás, num dos países da Comunidade havia uma grande falta de livros. O Brasil enviou milhares de livros. Esses livros nunca foram distribuídos porque a leitura seria dificultada por esses livros não estarem escritos com a mesma ortografia.

Ora, se o "acordo" entrasse em vigor... O FUNDO DO PROBLEMA SUBSISTIRIA.
A ortografia não é a língua. Não interessa escrever com forma igual palavras com significados diferentes (homónimos, na realidade), quando para mais: elas serão articuladas por SINTAXES DIFERENTES, num discurso também não unificado por causa de LÉXICOS DIFERENTES.

QUER DIZER QUE – ao contrário do que dizem os seus defensores – UM ACORDO ORTOGRÁFICO NÃO MELHORARIA A COMUNICAÇÃO ENTRE OS 8 PAÍSES DA CPLP.

2º MITO

"NOS FÓRUNS INTERNACIONAIS, COMO A ONU, OS DOCUMENTOS OFICIAIS NÃO TERÃO QUE SER MAIS TRADUZIDOS PARA AS DUAS VARIANTES DA LÍNGUA LUSA, COMO ACONTECE AGORA."
(Fonte: www.gopetition.com/online/17740.html)

(Antes de mais, uma rectificação técnica:
Raio de pouca sorte, a própria frase citada precisa de tradução: "não terão que ser mais traduzidos" não é português. E "língua lusa" (também) não é terminologia portuguesa.)

AO CONTRÁRIO DO QUE AFIRMAM OS DEFENSORES DO "ACORDO", AFIRMO QUE - SE ELE FOSSE ADOPTADO - NA ONU, etc. CONTINUARIAM A SER NECESSÁRIAS DUAS VERSÕES DE TRADUÇÃO NOS DOCUMENTOS ESCRITOS (sintaxe oblige) E DUAS VERSÕES DE TRADUÇÃO ORAL (pronunciação oblige).

Falando de ONU, vem a propósito corrigir mais dois erros que muito frequentemente os defensores do "acordo" fazem (e não são os únicos).

O PORTUGUÊS NÃO É A ÚNICA LÍNGUA SEM GRAFIA OFICIAL.
NÃO É NECESSÁRIO UMA LÍNGUA TER UMA GRAFIA OFICIAL PARA PODER SER ADOPTADA COMO LÍNGUA DE TRABALHO NA ONU.

PROVA DISSO:
O padrão da ONU para os documentos escritos em língua inglesa (United Nations Editorial Manual) segue o " British usage " e o " Oxford spelling ". (1)
(Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/United_Nations

De onde se pode concluir que a língua inglesa é uma língua oficial da ONU apesar de não ter uma grafia unificada.

CONCLUSÃO:

A língua portuguesa sempre permitiu e continua a permitir - com êxito - a comunicação entre os 8 países da CPLP.
Vimos que:
1) NOS PAÍSES LUSÓFONOS, UM ACORDO ORTOGRÁFICO NÃO MELHORARIA A COMUNICAÇÃO
2) NA ONU, ETC., CONTINUARIAM A SER NECESSÁRIAS DUAS VERSÕES DE TRADUÇÃO NOS DOCUMENTOS ESCRITOS (sintaxe oblige) E DUAS VERSÕES DE TRADUÇÃO ORAL (pronunciação oblige).

ENTÃO UM ACORDO PARA QUÊ?
(É que o acordo talvez não vá nu, mas mascarado. E não me referirei neste artigo à negociata livresca, que é fresca. E mais outras que haverá).

DIZEM OS DEFENSORES QUE ASSIM O IDIOMA PORTUGUÊS ENTRARIA NA ONU.

Acontece que a petição para o "idioma" português entrar na ONU está redigida no "idioma" brasileiro (digo idioma porque idioma é a língua própria de uma nação. Assim se pode dizer que na CPLP estão presentes oito idiomas de uma língua comum).

Como Coimbra não é Oxford, nem Portugal soube prestigiar a sua língua como o Reino Unido o fez, penso que não é um processo de intenção prever que, no futuro, a "mais-valia" dos milhões que o Brasil representa faça que a língua internacional – com ou sem "acordo" - seja o brasileiro e não o português. MAIS UMA RAZÃO PARA SER CONTRA O ACORDO.

Se no futuro, tivermos de falar brasileiro para sermos entendidos "lá fora", mais uma razão para lutar para podermos continuar a falar e a escrever português "cá dentro" (by the way, eu sou o autor deste conceito que irmanou Portugal ao "lá fora").

Se o pretendente ao Conselho de Segurança da ONU é o Brasil, por que é que o Brasil não leva para a ONU o “português do Brasil" (como lá se diz) e nós (e outros países da Comunidade, se assim o entenderem) continuamos com o português? É para nos pouparem que não nos transformemos numa língua morta? Alguém pode pensar que é por decreto que uma língua não envelhece e não morre? Quem acredita que foi por não compactuar com um "acordo" que o grego clássico e o latim morreram?

Claro que não posso terminar sem aqui deixar claro o seguinte:
O problema "ACORDO" transformou-se em matéria melindrosa. Em vez da unificação proclamada pelos seus defensores, vejo criarem-se abismos entre amigos brasileiros e portugueses, tal como entre amigos portugueses. É-me doloroso porque sou brasileirófilo e português.


(1) Deixo esta nota de roda pé porque considero interessante ver como países saxónicos podem ser mais ciosos da etimologia grega e latina do que alguns países latinos.

Oxford spelling (or Oxford English spelling) is the spelling used in the editorial practice of the Oxford English Dictionary (OED) and other English language dictionaries based on the OED, for example the Concise Oxford English Dictionary, and in academic journals and text books published by Oxford University Press. In digital documents, the use of Oxford spelling can be indicated with the language tag en-GB-oed.
Oxford spelling follows British spelling in combination with the suffix -ize instead of -ise. For instance, organization, privatize and recognizable are used instead of organisation, privatise and recognisable. In the last few decades, the suffix -ise has become the usual spelling in the UK. Therefore, many people incorrectly regard -ize as an Americanism, although the form -ize has been in use in English since the 16th century. [1] The use of -ize instead of -ise does not affect the spelling of words ending in -yse, which are spelt analyse, paralyse and catalyse in line with standard British usage.
In the Oxford English Dictionary, the choice to use -ize instead of -ise is defended as follows: "[...] some have used the spelling -ise in English, as in French [...] But the suffix itself, whatever the element to which it is added, is in its origin the Greek -izein, Latin -izare; and, as the pronunciation is also with z, there is no reason why in English the special French spelling should be followed, in opposition to that which is at once etymological and phonetic. In this Dictionary the termination is uniformly written -ize."
(Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Oxford_spelling)

Ramiro S. Osório | Utente da língua e escritor

Sem comentários: