sexta-feira, 11 de julho de 2008

Ricardo Migueis - O falso argumento: o Acordo Ortográfico e a expansão e afirmação internacional da língua portuguesa

A única influência efectivamente sentida no plano internacional pelas alterações introduzidas pelo Acordo Ortográfico, poderá vir exactamente da sua pior característica: o facilitismo subjacente à homogeneização com base na oralidade (brasileira, apenas). Que este facilitismo prejudicará a aprendizagem da língua já foi aqui e noutros meios exposto diversas vezes. Concentremo-nos no possível impacto do AO para a representação/presença/afirmação da língua portuguesa em fora internacionais. Ele será reduzidíssimo:
- não será por ele que a CPLP se tornará uma entidade supranacional reforçada e representativa, isso exigiria vontade política de outra natureza. O facto de a União Europeia não ter uma língua comum pode sair em caro em traduções, mas não impediu a integração política, económica e um saudável intercâmbio cultural e social;
- não colocará o português como língua oficial no Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio ou Nações Unidas, se isso vier a acontecer será em virtude do desenvolvimento económico do Brasil, que pela sua escala em número de habitantes e Produto Interno Bruto poderá ganhar peso nestas instituições;
- não será factor relevante para ajudar o Brasil a conseguir um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU;

Em recente entrevista ao jornal Expresso, o Professor Carlos Reis (Reitor da Universidade Aberta), diz, na mesma senda, que os “falantes (da língua portuguesa) são em parte integrados por povos e países que, infelizmente, contam pouco no concerto internacional”. No entanto, e ao contrário do que o mesmo adianta naquela entrevista, dificilmente se entenderá a correlação directa que ele parece querer estabelecer, entre o AO e a projecção das universidades portuguesas no exterior, seja em África, na Ásia ou em qualquer outro lado. A língua continuará a ser distinta e os factores de atractividade de alunos estrangeiros, ou de qualidade, não se prenderão certamente com a existência de uma ou duas normas ortográficas.

Acrescente-se à lista de correlações difíceis de compreender, ainda no âmbito do tão desejado objectivo de expansão e afirmação internacional da língua portuguesa, o crescimento do número de pessoas a aprender português vs Acordo Ortográfico. Se o número de aprendizes da língua portuguesa já está em crescimento, certamente não será por causa do Acordo Ortográfico, mas sim devido à afirmação internacional do Brasil e, em parte de Angola.

Parece estranho que se peça que nos olhemos isoladamente Portugal, em toda a sua “pequenez e necessária subjugação”, e de seguida se peça que Portugal tenha uma política de língua estruturada, clamando-se que esta vai em muito contribuir para a expansão da língua portuguesa. É claro que vai, mas não será por causa de qualquer AO. A política de língua precisa de ser bem definida, é fabuloso que se ande a trabalhar nela. Só é pena que nenhum dos pilares desse trabalho seja… a língua em si.

Enfim, é impossível e não desejável a unificação fonológica, morfológica, sintáxica e lexical da língua portuguesa entre todos os países da CPLP. Não será possível transformar a CPLP numa grande federação de países em que a língua falada e escrita é, de facto, unificada. Não será minimamente desejável desvalorizar as singularidades locais em prol de uma comunidade unificada por um idioma comum. As singularidades enriquecem o património comum. Por tudo isto e muito mais, o argumento que faz depender a vitalidade da língua portuguesa de um qualquer Acordo Ortográfico, é falso. Além disso, convinha reflectir um pouco sobre que língua portuguesa estão os acordistas a tentar promover...

Ricardo Migueis | DINÂMIA/ISCTE | Editor da Revista Autor

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