domingo, 6 de julho de 2008
Vasco Graça Moura: Acordo Ortográfico — A omeleta estragada
«Há gente que pretende fazer uma omeleta ortográfica a toda a pressa. Mas não quer que se veja que os ovos estão de todo impróprios para consumo e muito menos analisar o estado em que eles se encontram. No fundo, este é um problema mais para a ASAE do que para a CPLP...»
A CPLP vai reunir em Lisboa em 20 e 21 de Julho. É possível que o Acordo Ortográfico volte sorrateiramente a fazer parte da agenda.
Pelo sim, pelo não, e para que não haja falhas de cabal esclarecimento, os signatários da petição manifesto em defesa da língua portuguesa estão a entregar nas embaixadas dos países membros da CPLP um dossier com todos os pareceres negativos sobre o AO que, de resto, se encontram arquivados e disponíveis no seu blogue oficial (http://emdefesadalinguaportuguesa.blogspot.com/).
A petição, que já ronda as 80.000 assinaturas, deverá ultrapassar as 100.000 dentro de três semanas. Quando for discutida na Assembleia da República terá muitas mais. Mas para já, será um firme e oportuno enquadramento da sociedade civil para a reunião da CPLP.
Entretanto, tive oportunidade de verificar que o Governo induziu escandalosamente em erro o Parlamento, a propósito do AO.
Lia-se no sétimo considerando da proposta de resolução nº 71/X/3, enviada à AR para aprovação do segundo Protocolo Modificativo que “o actual Governo consultou, através do Instituto Camões, as diversas entidades relevantes nesta matéria, como a Academia das Ciências de Lisboa, a Associação Internacional de Lusitanistas, a Associação Portuguesa de Escritores [sic] e Livreiros, a Associação Portuguesa de Linguística, a Fundação Calouste Gulbenkian e a União de Editores Portugueses”.
O Primeiro-Ministro e os ministros dos Negócios Estrangeiros, da Presidência e dos Assuntos Parlamentares invocavam nesses termos as consultas feitas a entidades com peso científico, além das feitas àquelas que, por razão empresariais, teriam interesse em manifestar-se.
Qualquer pessoa desprevenida acreditaria que as respostas recebidas eram globalmente positivas e favoráveis.
Mas não foi assim.
Positiva foi apenas a da Academia das Ciências, em causa própria e com um parecer da pena de Malaca Casteleiro…
A Associação Internacional de Lusitanistas, consultada em 4.10.05, não respondeu.
A Fundação Gulbenkian disse, em 24.11.05, que aplicaria o AO às obras que editasse, após a sua entrada em vigor. Isto é, que cumpriria a Lei.
A Associação Portuguesa de Linguística, num extenso e fundamentado parecer de 12.12.05, pronunciou-se pela imediata suspensão do processo em curso. No mesmo sentido, em 1.11.05, o Departamento de Linguística Geral e Românica da Faculdade de Letras de Lisboa. E o Instituto de Linguística Teórica e Computacional, tendo levantado vários problemas, afirmou: “De qualquer modo, o Acordo ortográfico terá sempre consequências bem mais graves que a existência actual de duas normas, sobretudo na língua escrita no âmbito da Internet” (28.10.05).
É tudo. Outras entidades universitárias consultadas não chegaram a dar resposta, nem houve qualquer insistência para que a dessem.
As editoras e associações de editores manifestaram outro tipo de preocupações e fizeram perguntas que não foram respondidas.
Assim, o Governo não fez só tábua rasa dos pareceres negativos anteriores: veio invocar perante a AR este panorama contraditório dos fins que tinha em vista e louvou-se nele para fundamentar a sua proposta de aprovação do Protocolo, o que é uma fraude pura e simples.
Entretanto, continua a não ser conhecido o teor do estudo sobre a língua portuguesa que foi entregue ao Governo há já várias semanas.
Continua a não se saber qual é a posição da Ministra da Educação quanto ao Acordo Ortográfico.
E surgem notícias curiosíssimas como a do Sol de 28.6.08, segundo a qual cerca de 150 docentes e investigadores discutiriam em Coimbra, anteontem e ontem, “os desafios que se colocam ao ensino da língua portuguesa desde o pré-escolar ao básico, nomeadamente com a introdução do Acordo Ortográfico”, num encontro que terá reunido professores do ensino básico e superior, entre os quais dois numerosos docentes da Universidade.
Há gente que pretende fazer uma omeleta ortográfica a toda a pressa. Mas não quer que se veja que os ovos estão de todo impróprios para consumo e muito menos analisar o estado em que eles se encontram. No fundo, este é um problema mais para a ASAE do que para a CPLP…
Vasco Graça Moura | Escritor | Diário de Notícias | 2/7/2008
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