quarta-feira, 23 de julho de 2008

Vasco Graça Moura - NÃO!

É possível que o Presidente da República não tivesse outro remédio formal que não fosse o de ratificar o segundo protocolo modificativo do Acordo Ortográfico.

Mas acontece que o Presidente da República é hoje o único alto responsável político português que tem plena consciência de que o Acordo Ortográfico é um deprimente chorrilho de asneiras. E de que a sua adopção introduzirá um cancro incurável na ortografia da língua portuguesa.

O Presidente da República está ciente de tudo isso por ter mandado estudar a abundante documentação que lhe foi entregue oportunamente, coisa que, de resto, o Governo não fez e devia ter feito.

Sendo que todas as análises especializadas produzidas sobre o Acordo são profundamente negativas, criar condições para que ele entre em vigor, sem se promover uma sua revisão de fundo, gera uma gravíssima responsabilidade jurídica, moral, política, cívica e cultural que não pode ser escamoteada por ninguém e a que o Presidente da República não pode fugir.

A ratificação vai ainda tornar possível a sequência delirante e já anunciada pelo ministro da Cultura de ser promovida a aplicação do Acordo em Portugal, independentemente do que resolverem Angola, Moçambique e a Guiné-Bissau, mais uma vez contra o parecer dos especialistas mais abalizados.

Decorridos 18 anos sobre a enormidade e, entre o desuso, o desinteresse, a obsolescência e a verificação gritante da péssima qualidade do Acordo, não há razão nenhuma para acelerações e muito menos para o Governo português decidir aplicá-lo antes de Angola, Moçambique e a Guiné-Bissau o terem ratificado, o que, aliás, oxalá não façam nunca...

Ao contrário do que diz o ministro da Cultura, não é o Governo que decide quando o aplica em Portugal, dado o contexto em que toda a questão se coloca. Toda a lógica da situação obriga a que Portugal não se comporte com voluntarismos caprichosos de dono pesporrente da língua. E recomendaria a qualquer decisor político de boa-fé se aproveitasse o tempo ainda disponível para se promover uma revisão imprescindível.

Mas entretanto, o Governo tentará comprometer pessoalmente o Presidente da República com toda esta situação vergonhosa, já que o Acordo Ortográfico foi subscrito em 1990 quando o prof. Cavaco Silva era primeiro-ministro. Simplesmente, há indícios de a chefia do Governo da época ter sido grosseiramente manipulada.

António Emiliano acaba de publicar na Guimarães Editores o livro O Fim da Ortografia - Comentário Razoado dos Fundamentos Técnicos do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).

Aí afirma, quanto à Nota Explicativa, única peça oficial em que se fundamenta o Acordo, que "com documento tão desconchavado, tão imperfeito e tão lacunar, nenhum decisor político está ou esteve em condições de apreciar verdadeiramente o teor e as consequências da reforma".

E acrescenta: "É meu parecer profissional que o texto da Nota Explicativa peca não apenas por conter erros grosseiros de análise linguística e de apreciação da estrutura, natureza e funcionamento de um sistema ortográfico, mas também por induzir deliberadamente em erro os decisores políticos quanto à verdadeira extensão das mudanças ortográficas propostas."

De resto, António Emiliano não se limita a demonstrar que o Acordo Ortográfico é um conjunto calamitoso de erros inaceitáveis.

Indo mais longe do que quaisquer outros estudos academicamente qualificados que já aqui citei mais do que uma vez, este livro demolidor interpela o sentido de responsabilidade de todo e qualquer falante do português euro-afro-asiático-oceânico.

Da sua análise implacável resulta que se está perante um verdadeiro crime contra a língua portuguesa.

Ante todo este escândalo, a sociedade civil não pode cruzar os braços. Tem de insistir no seu protesto. Tem de engrossar o caudal das suas tomadas de posição. Tem de assinar maciçamente a petição/manifesto que corre na Internet. Tem de começar a enviar sms para todos os lados, dizendo que o Acordo Ortográfico é uma vergonha nacional. Tem de provocar a revisão dessa enormidade. Tem de afirmar em todas as ocasiões que não o aceita e se recusa a dar-lhe cumprimento.

Vasco Graça Moura | Escritor | Diário de Notícias | 23/7/2008

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Assine a petição em www.ipetitions.com/petition/manifestolinguaportuguesa.
Enquanto há Língua, há esperança.

5 comentários:

Anónimo disse...

Foi você que pediu um acordo ortográfico?

Não, obrigado!


Será que já optaram por um nome? Será "Brazuguês" ou "Portuleiro"? E porque será que chamam a isto de acordo se, das duas principais partes envolvidas, somos a que tem de se adaptar mais? Porque raio somos nós que vamos passar a escrever "de fato" e não hão de ser os Brasileiros a escrever "de facto"?
Se ainda não o fizeram, aconselho todos a lerem o prontuário do acordo. Depois digam lá se aquilo não é Brasileiro!...
Porque será que os nossos bem-amados governantes acharam necessário "dar graxa" a um país irmão que tão boas relações mantém connosco? Porque acham eles que devemos alterar de forma tão forçada a língua de Camões e Pessoa? Parece que uma das razões é reforçar a união entre os dois países...
Ainda mais??
A evolução da língua é um processo natural e moroso. Todos sabemos que as línguas sofrem mutações e adaptações. Surgem palavras novas e esquecem-se as velhas. Altera-se para os tempos modernos a forma de escrever de certas palavras, se assim não fosse, farmácia ainda se escreveria com "ph". Todas estas alterações são feitas de forma natural e são elas que enriquecem a cultura de um país como o nosso. Uma coisa é a adopção (peço desculpa, adoção) de palavras como "baguette", "franchising", "stop" e outras palavras e termos que entram na rotina diária de todos nós. São os estrangeirismos e, como tal, mesmo usando-os diariamente, sabe-se que não são Portugueses. O Português do Brasil é um dialecto que, também ele, sofreu mutações e evoluiu com uma rica mistura de línguas como o Italiano, Inglês, Espanhol entre outras.
Então se a própria "auto-estrada da informação" diferencia o Português\Portugal do Português\Brasil, porque não fazemos todos o mesmo? Os Brasileiros têm todo o direito de expandir as fronteiras do seu dialecto como nós temos o dever de proteger a nossa língua de transformações forçadas e de acordos absurdos que não vêm facilitar a aprendizagem e o uso da nossa língua, vêm antes empobrecê-la.
Como povo caloroso e acolhedor, aceitamos quem nos visita e escolhe viver entre nós mas, para tal não precisamos abdicar do que é nosso! Se "em Roma sê Romano", porque não "em Portugal sê Português"? Existem línguas como o Espanhol, o Francês, o Inglês e outras espalhadas por tantos países e não os vemos a assinar acordos para arruinar a própria língua. Se na Austrália chamam às rotundas de roundabout, os Ingleses não vão deixar de as chamar rotery!
A título de exemplo, imagine-se a debater com alguém que se sabe como sendo um corrupto, um criminoso de colarinho branco, e a dada altura você dir-lhe-á a seguinte frase num Português eloquente: "De facto, você é um corrupto!"
Agora repita a mesma frase seguindo o novo acordo ortográfico: "De fato, você é um corruto!" Será isto o tal "Brazuguês"? Ou é mesmo o dialecto Brasileiro?...
Se em tempos fomos um dos países mais ricos da Europa; se descobrimos novos caminhos, povos e um continente; se tivemos a arrogância, inteligência e poder para dividir o mundo em dois, porque somos agora tão resignados e pouco convictos?
O advento da Globalização chegou, para o melhor e para o pior. Mas não é por nos querermos aproximar do resto do mundo que vamos perder aos poucos a nossa identidade. Devíamos antes fazer o oposto, realça-la!
Garanto que com este acordo ortográfico em vigor passarei a escrever, doravante, com muitos, muitos erros gramaticais.
Ninguém me pediu opinião sobre o acordo, mas se o tivessem feito dir-lhes-ia das boas, à boa maneira do Velho do Restelo.


Daniel Silva,
aspirante a escritor

Anónimo disse...

Até pode ser que o Presidente da República tenha noção da embrulhada que é este acordo ortográfico, mas o que é certo é que ocupa um cargo em que deve defender os interesses da nação.

Falhou na sua missão.

Se recebeu o meu voto para ser eleito, de certeza que não voltará a recebê-lo.

Anónimo disse...

Ainda quero acreditar que o acordo é só um pesadelo do qual logo iremos despertar.

Abraço,

Pablo
http://cadeorevisor.wordpress.com

Anónimo disse...

O essencial é pensar no futuro e não permitir que "isto" entre passe.
SMS todos! Mas para onde? É preciso haver alguma coordenação já que os sins têm o governo por eles.
(Cavaco devia ter pensado menos nele e mais no País)

Anónimo disse...

Para quando a "democratização" da petição"? Ou seja, porque não lançá-la a nível nacional, para ser lida em papel e assinada em papel, em campanhas pessoais ou de iniciativa cívica, em eventos públicos, nos locais de trabalho e mesmo em acções de rua?
Parece-me que, sendo a penetração das N.T. ainda tão incipiente, em Portugal, seria necessário chegar à larga maioria de pessoas que não têm acesso à Internet. Ou mesmo de alcançar as que dispõem dessas ferramentas mas que, por motivos diversos, estão a léguas ou se alheiam da questão.
90.000 assinaturas é, de facto, excelente, mas 2 ou 3 milhões seria um verdadeiro referendo que não deixaria qualquer margem de manobra para a meia dúzia de - esses sim - tecnocratas comprometidos que "apoiam" o aborto ortográfico.
Algumas sugestões para rampas de lançamento: associações profissionais (professores, médicos, advogados, tradutores, etc.), editoras, sindicatos, associações académicas, clubes desportivos, associações empresariais, ONG.
Não seria este um motivo bastante para que, finalmente, a tão falada e nunca vista "sociedade civil" se mexesse?